
Porque há momentos que vale a pena recordar:
Uma típica cidade remota num recanto esquecido do velho oeste. Chove a cantâros, e a areia que normalmente enche de poeira os pulmões dos habitantes, dá agora lugar a lama e poças bafientas. Parte da população refugia-se no velho e fumarento salão, onde um rolo de cartão gasto faz o abandonado piano tocar sozinho; uma música artificial e ironicamente alegre enche a atmosfera já pesada. Um grupo de mineiros com poucas razões para viver tentam infrutíferamente afogar as suas mágoas com whisky barato e mal destilado. À sua volta, uma mão cheia de prostitutas infectadas com sífilis tentam libertar homens pesarosos e embriagados dos seus último dólares. Indiferentes a tudo isto, um punhado de indíviduos sentados em redor de uma mesa, trocam cartas num jogo de póquer, ensaiando o bluff com uma arma carregada no coldre por baixo da mesa. A chuva intensa a bater no soalho exterior não deixa ouvir o sons das esporas do estranho que se aproxima. Despercebido ele aproxima-se da entrada, apoia os cotovelos sobre as portas de mola do salão e acende a cigarrilha que a chuva lhe negou. Por debaixo do seu chapéu ele procura algo que não demora muito a encontrar. As portas afastam-se e ressoam uma contra a outra enquanto o barulho das suas esporas ecoam até ao centro do salão. Ele é um homem sem nome, as pessoas interrogam-se se ele alguma vez o teve, mas a verdade é que ele nunca precisou de um. As tristes desculpas para seres humanos que se encontram no antro infestado nem sequer dão conta do homem sem nome, tão ocupados que estão a morrer lentamente. O homem sem nome aproxima-se da mesa de jogadores sem nunca erguer o olhar. Os jogadores interrompem o seu vício e observam-no com surpresa, mas um em particular olha-o com um misto de indignação e ultraje. Sem proferir uma palavra o homem sem nome recolhe o baralho, e devolvendo um olhar de desprezo, começa a dar as cartas, para si mesmo e para o singular jogador. Nesta altura o jogador de póquer assume uma máscara de raiva e desafio. Os seus companheiros de jogo abandonam a mesa sem sequer tentar disfarçar, os ratos são mestres na arte da sobrevivência. As cartas estão dadas, os dois homens entreolham-se durante segundos, até que o jogador de póquer, vendo o homem especado à sua frente como um futuro cadáver, decide alinhar na brincadeira apenas para fazer uma última vontade ao incauto e ingénuo pedaço de merda que insiste em morrer. O jogador troca três cartas, o homem sem nome duas, o primeiro lança as suas cartas sobre a mesa: um par miserável. O homem sem nome segue o seu exemplo e revela uma fraquíssima tripla. Farto, cansado e com vontade de puxar o gatilho, o jogador de póquer finalmente pergunta:
-O que estávamos a apostar?
-O que estávamos a apostar?
O homem sem nome muda a cigarrilha para o outro canto da boca:
-A tua vida...
A palavras para quê?!
("For a Few Dollars More", de Sergio Leone, com Clint Eastwood)
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