quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ermal - Obituário de 2009 (2ª Parte)

Dias 2 e 3- Let there be Rock!

A manhã havia começado da pior forma possível e caso não houvesse café nas redondezas o cenário ficaria verdadeiramente apocalíptico. Dirigimo-nos à barraca de comes e bebes do parque de campismo, onde, muito a medo, pergunto se servem aquela bebida tão vital para a nossa existência. Quando a senhora por detrás do balcão me confirma que não só tem café como também tem leite, atestando-se então a possibilidade de conjugar os dois num único recipiente, juro que senti um calorzinho a percorrer-me a espinha. Após um pequeno-almoço decente conseguíamos finalmente avistar a tal luzinha no fim do túnel, talvez os próximos dias não se revelassem um autêntico inferno afinal de contas. Depois do belo do banho de água fria e decididos a desanuviar as ideias, rumamos à vila de Vieira do Minho. De volta à civilização compensamos a terrível noite anterior com um belo almoço de vitela assada, um autêntico regalo. De barriguinha cheia achamos por bem dar um passeio para apreciar a vila, e bem cedo percebemos que não há rigorosamente nada para apreciar. Contudo, neste aparente marasmo dá-se um momento fulcral. Eis que a minha companheira de armas tem duas ideias de uma incrível sapiência: em primeiro lugar, mudar a tenda para um local o mais afastado possível do palco, e depois, comprar tampões para os ouvidos na farmácia mais próxima. Uma resolução apenas comparável à de Kant quando este decidiu estudar filosofia... O autocarro do inferno devolve-nos ao recinto, e nós, pobres criaturas preparamo-nos para a destruição sónica.

No meio do nada, mesmo em frente de um pequeno lado fluvial, assomam-se dois palcos de aspecto ameaçador. A temperatura amena-se no fim de tarde, concedendo novo alívio aos músculos saturados pelo calor, e neste cenário de desastre anunciado eis que ela surge novamente, como um fantasma ensombrado entretanto esquecido: a fome de música. Mesmo que alguns dos nomes se revelassem pouco sonantes, nenhuma das bandas deixou os seus créditos por mãos alheias:

Disbelief: Podemos ter chegado um pouco atrasados, mas ainda que acidental, esta foi sem dúvida a melhor maneira de dar inicio ao nosso masoquismo auditivo. Assim que chegamos ao recinto damos de caras com este mui competente e oleado colectivo gêrmanico, que com facilidade fazia as delícias dos presentes. Uma sucessão constante de músicas a meio tempo, mas com um ritmo que pesava toneladas, e sempre com uma execução exímia. Apresentaram-se coesos, sem pretensiosimos ou manias de vedeta, e.... devastadores... tal e qual como deve ser!

Obituary: Uma espectacular viagem pelo tempo. A música despojada, rude e directa dos anos 90. Estes senhores norte-americanos provaram a tudo e todos porque continuam a ser uma das bandas mais emblemáticas do meio e do movimento em que se inserem. A sensação do ouvinte é a de estar frente a um tsunami sonoro capaz de esmagar tudo em seu redor. O som que provinha das maciças colunas estava soberbo, assim como a forma em que a banda se encontrava. De salientar a prestação do vocalista, pois embora já tenha a minha dose de concertos, não recordo ter alguma vez testemunhada tal potência vocal: em boa verdade o digo, a voz daquele homem conseguia acordar um morto e pelas piores razões! Todavia, para além de apreciar o concerto não pude deixar de notar nas gadelhas destes músicos, juro que qualquer um deles podia facilmente fazer um anúncio da Panténe... os ares da Flórida devem fazer maravilhas...

Sepultura: Num autêntico golpe de autoridade, a banda brasileira demonstrou estar à altura do seu tremendo legado. O grande trunfo dos brasileiros foi sem dúvida o line-up, a escolha de temas não podia ter sido melhor: as músicas novas e menos conhecidas funcionaram na perfeição em palco, os velhos clássicos foram todos eles revisitados, havendo ainda espaço para tirar umas autênticas jóias do fundo do baú para gáudio de todos (principalmente aqui do careca - nunca pensei assistir ao vivo às melodias que marcaram a minha pré-adolescência, nomeadamente os nostálgicos "Manifest", "Territory", "Innerself" ou "Arise". No final confirmei ter assistido a um momento muito especial, particularmente para mim.

Korpiklaani: Ora aqui está uma banda que já a algum tempo vinha a criar grandes expectativas, e normalmente quanto maior a expectativa maior a desilusão... excepto no caso destes carismáticos finlandeses. Pergunte-se: quais as probabilidades de ver uma multidão de metaleiros a dançar alegremente, havendo inclusive direito a fazer o comboio? Muito reduzidas, mas ainda assim foi o que aconteceu para espanto de todos. A boa disposição que brotava a jorros do palco foi contagiante e viciante, Quanto à banda, merecem de longe nota positiva pelo seu esforço em criar o ambiente certo para o som que produzem, por muito boa que uma banda seja, por vezes é necessário aquele bocadinho extra para cativar o público, e neste ponto os Korpiklaani foram reis e senhores. Até o colossal "prego" que o baterista mandou lá para o meio da actuação, em que tocou completamente fora de ritmo, passou despercebido pois foi apenas mais um elemento para juntar ao bom humor que reinava. A nota negativa vai para o técnico de som que deixou a banda com o pior som de todo o festival... desgraçado...!

Blind Guardian: Banda-mor do Heavy Metal de origem alemã e bastião do Power Metal europeu. Decidi dar-lhes uma hipótese, afinal de contas deveria haver uma razão concreta para o seu sucesso... Assisti a três músicas e comecei a bocejar... há certas coisas que pura e simplesmente escapam ao meu entendimento...

E assim foi...Quatro dias mui bem passados e em excelente companhia...mas cansativos como o caralho!! Pena foi que os concertos começassem ao meio-dia, acabando por prejudicar as bandas nacionais que acabaram provavelmente a tocar pró boneco. Embora estivesse solidário para com elas, almoço é almoço!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ermal - Obituário de 2009

Existem variadas maneiras de expressar o amor pela música, tais como comprar um CD novinho em folha, ir a um concerto ou cantarolar aquela musiquinha que não sai da moina...porém para um apaixonado por heavy metal, o sofrimento auditivo tem de ser transposto para a pele, assim sendo que melhor maneira de provar a nossa paixão musical que aguentar quatro dias chinfrineira lancinante, a dormir em tendas rodeadas de bêbedos num parque saturado de poeira, e com banhos frios como único consolo! É verdade meus amigos, fui ao Ermal e voltei para contar.

Dia 1 - Their Satanic Majesties require and request

Após uma fatídica viagem de cinco horas finalmente lá chegamos ao parque de campismo que a princípio até parecia amigável (quanta ingenuidade). A tenda foi cortesia da minha companheira de armas que desde o início me garantira que montar a dita cuja não seria problema... até que chegou o momento de passar à prática. Parecíamos duas bestas a mirar ora as instruções, ora os compostos que deveriam formar uma tenda. Passado uma hora sem nunca saber ao certo que raio estávamos a fazer, uma tenda surgiu diante nós, e até bem montada! Numa situação tão afortunada o comum ser humano até agradeceria ao Divino pela boa sorte, contudo o Divino está bem longe do Ermal nesta altura do ano. Impor-se-ão porventura outras divindades...? Quem sabe...? Terminado o primeiro suplício ergue-se o ânimo, mas não muito, pois a viagem longa associada com uma noite mal dormida dão lugar a um latejar constante na caixa craniana, que nem uma imperial fresquinha faz esquecer. Mal a noite cai já só apetece experimentar o colchão e saco cama novos. O saco cama é aconchegante e o colchão não deixa sentir o chão cravado de raízes, finalmente uma oportunidade de recarregar baterias... pelo menos até começar o check-sound para o concerto dessa noite... Aparentemente estávamos a acampar mesmo ao lado do palco principal. O check-sound termina, reina novamente a calma... até que começa o único concerto da noite. Escusado será dizer que o nosso almejado descanso ia de mal a pior, mas aguentámo-nos que nem uns valentes, às voltas nos sacos camas enquanto fingíamos algum conforto, até que o concerto por fim finda. Agora sim, íamos descansar para acordarmos cheios de energia e estaleca. Ou pelo menos assim queríamos que fosse, quando eles chegaram e se acercaram da nossa tenda: um grupo de metaleiros bêbedos com sotaque nortenho, que provavelmente não tinham sofrido nada para ali chegar, ao contrário de algumas almas oriundas da agora longínqua Almada. Juro que foi quase até ao amanhecer a levar com os berros e com a conversa de merda. O sono chegou tarde e aos bocados. Os olhos entreabriram-se sem vontade e o primeiro dia começava mal...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Despedida



Perdi o meu mestre.

Adeus Cisco, vou ter saudades...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Heimat (2)

Pronto, pronto...esta é a última...

sábado, 18 de julho de 2009

A Curiosa Morte do Sr. Borges

Já passava das quatro da manhã na noite em que o Sr. Borges se regou com gasolina e deitou fogo a si próprio. O fedor de carne queimada havia-se entranhado de tal maneira no escritório da sua casa, que os agentes policiais tiveram de pedir máscaras antes de irem cumprimentar os restos carbonizados do meu cordial vizinho. A vizinhança delirou, compadres e comadres salivavam como uma matilha de cães à espera da refeição enquanto o respeitado Sr. Borges era levado aos pedaços em lindas malas brancas hospitalares. Seguiram-se dias de grande satisfação no bairro, de repente parecia que o lugar de estacionamento já não era motivo de arrelia, nem sequer o dinheiro emprestado para o totobola servia para uma zanga. Juro que durante quase um mês nem uma única discussão futebolísitica no café da esquina houve, e quase nem quis acreditar quando vi uma vizinhança em peso a dar-se lindamente, como que esquecendo por completo quem era PS ou PSD, quem era lagarto ou lampião, quem era jeová ou evangelista. Foi um sonho... enquanto os mexericos não se esgotaram.

Dias houve em que ficava com a impressão que todos sabiam algo insólito sobre o amável Sr. Borges, porém, para minha grande desilusão, grande parte do que se contava mais não eram do que balelas sem o mínimo fundamento. Todavia, por entre a torrente de boatos lá consegui desenterrar algumas histórias realmente deliciosas, tal como o relato da Dona Estefânia, a beata cá do bairro, que testemunhara como nas últimas semanas o Sr. Borges era visita habitual na decrépita e minúscula biblioteca da igreja local, e afirmava igualmente que o Sr. Padre havia acusado o mencionado visitante do furto de alguns exemplares históricos. Ou pelo menos assim o havia acusado até ao dia em que o respeitado padre subiu ao púlpito com um braço a menos após uma semana de convalescência no hospital, umas daquelas maleitas que podem acontecer a idosos quando menos se espera. A partir desse dia as acusações cessaram.

Outro relato igualmente condimentado foi o do afamado Sr. Joaquim, o qual jurava a pés juntos que duas noites antes do singular acontecimento algo de inexplicável lhe havia sucedido. Contava que a meio da noite, dando pela falta da sua esposa a seu lado na cama, fora dar com ela estendida no chão da sala com a cara e os braços totalmente vermelhos e inchados. Enfiou-a de imediato na carrinha e teria saído logo a correr assim que encontrou as chaves da viatura, não fosse um inominável fedor que provinha da casa de banho acompanhado do som de turbulência nas canalizações. Sem capacidade de discernimento acendeu a amarela luz que iluminava os azulejos verdes da minúscula divisão sanitária e espreitou. O inimaginável cheiro a podridão impediu-o sequer de entrar, contudo conseguiu reparar na água viscosa e avermelhada que saía do ralo da banheira. Mas o que fez o pobre Sr. Joaquim correr que nem um perdido foi visão a que foi submetido quando uma sucessão de estridentes estalidos o fez revirar o olhos na direcção da sanita para dar de caras com uma autêntica multidão de baratas castanho-avermelhadas de tamanho pouco credível, a assomar de todos os orifícios aí existentes e cobrindo o assento por completo. Sem forma nem maneira de raciocinar, o Sr. Joaquim limitou-se a fugir e a conduzir como um morto-vivo até ao hospital. Quando os médicos da urgência se viram a braços com uma homem em estado de choque e uma doente portadora de uma infecção viral de estirpe desconhecida, acharam por bem alertar os serviços municipais. Estes, por sua vez, ficaram tão assombrados com o que haviam encontrado, que montaram toda a canalização de raíz, destruindo e obstruindo os velhos tubos, oferecendo ainda uma desparasitação completa. Em troca, e para garantir que a esposa estaria sob os melhores cuidados médicos, foi pedido ao Sr. Joaquim que mantivesse o silêncio, apenas para não gerar o pânico perante uma possível pandemia, e quiçá evitar qualquer suspeita quanto ao conteúdo da velha rede de esgostos que ainda servia um punhado de habitações. Devo dizer que fiquei bastante admirado com a renovada posição de força do Sô J'aquim, aproveitando a recente tragédia para se revoltar contra o sistema. Talvez lhe faça uma pequena visita um dia destes para partilhar da sua coragem.

Para terminar, o relato mais marcante e aquele que mais atenção mereceu por parte das forças da autoridade, foi sem dúvida o da Sra. Natália, que vive frente à casa do falecido Sr. Borges. Ora, na noite anterior ao macabro incidente pirotécnico, a Sra. Natália, uma idosa eloquente e profundamente irritante, supostamente presenciou a última aparição do Sr. Borges. Segundo o seu relato, estava ela, como de costume, a regar as suas hortênsias no quintal por hora do lusco-fusco, quando ouviu o portão o Sr. Borges bater. Ergueu os olhos e tal não foi a sua surpresa ao reparar que o bondoso Sr. Borges se arrastava porta adentro. A dita senhora avançou de imediato por a forma a melhor satisfazer a sua avidez por bisbilhotice, e ficou aterrada ao constatar que o seu vizinho se arrastava sem pernas, verificando-se em seu lugar duas amputações perfeitamente cicatrizadas a meio da coxa. Em questão de segundos a onírica miragem desapareceu na escuridão do interior da sua casa, fechando a porta logo atrás de si, e deixando a Sra. Natália a questionar-se quanto à veracidade e realidade do que acabara de testemunhar.

E assim foi, o rumores cresceram e viajaram de boca em boca, a polícia anotou os poucos testemunhos que pareciam ter um mínimo de relevância e a vida continuou com toda a regularidade... até ao dia em que me bateram a porta e me perguntaram se tinha alguma informação relevante. Mostrei-me genuinamente prestável e convidei-os imediatamente a entrar para que pudéssemos conversar calmamente. O senhores agentes foram de uma grande amabilidade, tendo-me, inclusive, alertado para o facto do crucifixo medieval na minha sala se encontrar deveras descaído. Agradeci e com prontidão o coloquei na sua posição correcta, amaldiçoando as velhas paredes que já não seguravam nada no sítio. Os cordiais agentes explicaram-me muito resumidamente todo o ponto de situação e perguntaram-me se poderia providenciar algum esclarecimento quanto à fatal iniciativa do Sr. Borges. Ponderei a questão e respondi com sinceridade: "Talvez estivesse aborrecido?". Os polícias entreolharam-se, proferiram uma espécie de despedida e abandonaram a minha residência. Uma pena realmente, por vezes um pouco de companhia pode ser um excelente complemento. Ao fechar a porta a minha audição aguça-se: o meu andamento favorito está de momento a ser tocado. Don Giovanni, a minha ópera preferida de Mozart: este serão sim, promete. Na sala, mesmo ao lado dos sofás onde os meus hóspedes se sentaram, encontra-se uma mesa acabadinha de pôr, mas esta terá de esperar pois são horas da missa das sete, aquela que antecede a refeição. Agarro na minha Bíblia e saio de casa com pouca fé, pois as páginas em aramaico há muito foram profanadas e a minha mente não consegue abstrair-se do belíssimo presunto que me espera na arca congeladora.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Heimat

Andei às voltas pela minha cidade e trouxe algo comigo...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Daqueles dias...

Quarta Feira, dia 15 de Julho,

Acordo tarde e tomo um café prolongado enquanto vejo o "Lawrence da Arábia", não porque esteja particularmente a gostar, mas porque me posso dar a esse luxo. Depois do almoço vou ler e ouvir música para o jardim botânico da Casa da Cerca, onde a minha única companhia são as gaivotas e as andorinhas. Farto-me, caminho ao longo do passeio ribeirinho do Ginjal e apanho o cacilheiro. Na outra margem vou até à Cinemateca Portuguesa para lanchar e ver um clássico do Sr. Hitchcock em boa companhia. Acabo o serão em amena cavaqueira na varanda do Cinema de S. Jorge.

Digam lá se não meto um nojo do caraças!

terça-feira, 7 de julho de 2009

O Mestre - die Wirklichkeit

"...Lamento, Mestre, mas continuo a não conseguir compreender. Acreditas, porventura que tudo não passa de macabra ilusão?"

"Não irei tão longe, mas direi no entanto que a realidade se coaduna com a sua própria ausência. Entendo-a como uma abstracção infinita, como um cúmulo do simbolismo metafísico."

"E por conseguinte inexistente?"

"Não, antes com infinitas existências. Tão diversas como o número de consciências e tão vastas quanto o permitido pelo tecido espaço-temporal. Portanto, quando dois indíviduos se juntam para discutir o teor do real, está estabelecido um dos mais cómicos oxímoros conhecidos."

"Quer isso dizer que dois seres não podem partilhar uma realidade?"

"Não. Apenas um determinado ponto no continuum espaço-temporal. Uma partilha material e intelectual não abdica de uma concepção diferenciada do Universo por parte de duas entidades separadas. Realidade é o processo ultra-individualista através do qual o ser capta o Mundo exterior a si, utilizando para isso os pontos de contacto que a sua fisionomia e lucidez lhe permitirem."

"Mas afinal de contas para que é que isso interessa? Às vezes fico tão farto de ti!"

"Não vale a pena afectares-te. Habitamos mundos paralelos, lembras-te?"

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Fastidioso

...Sim...esse seria sem dúvida um óptimo, embora pretensioso, adjectivo para descrever o mês que findou. Será a temperatura, será a letargia inerente ao dia-a-dia? Talvez seja simplesmente um marasmo espiritual, fruto de uma ausência de estímulo ou um outro afim..(meto mesmo um nojo do caraças, verdade seja dita!)... Contudo eis que uma força regressa aos ossos, dilatando a pupila e aguçando o nervo...premonição e reserva...desejos de fulgor...

E enquanto abandono lentamente esta simbiose que é o teclado, dou por mim a questionar:
"Até que ponto terá o Ingmar Bergmann influenciado a indústria pornográfica Sueca?...veremos..."

quinta-feira, 21 de maio de 2009

O Mestre

Em silêncio, eis que ele contempla o vazio infinito. O seu mordaz entendimento questionando e duvidando da realidade envolvente. Uma constante romaria, um pulsar anacrónico, um vendaval desprovido de intento - quão estranhos e imperceptíveis tais costumes humanos parecem à luz da sua felina concepção. A curiosidade infantil há muito que abandonou o seu olhar, no seu lugar jaz somente a atenção piedosa do mestre ancião observando um singelo jogo de crianças. Tal é a natureza das ingénuas criaturas em seu redor, insistindo em ansiar, em desejar, em almejar... Talvez seja essa a sua quintenssência, talvez aí resida a sua força motriz; contudo é-lhe difícil evitar o suspiro - que desperdício... Em silêncio ele medita friamente: será talvez melhor assim, a verdade despojada está para lá da simples compreensão de tão modestas criaturas.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Encontro de Titãs em Almada (15 Rounds de pura emoção!)

- Já sabes que nossa senhora vai visitar o Cristo Rei?
- O que? Então mas ela não tinha já morrido?
- Não é isso, é a santinha!
- Ah! A boneca?
- Sim! A boneca...
- Não sei se será boa ideia... há muitos comunistas em Almada, pode não haver uma grande afluência...
- Então achas que vai haver pouca gente..?
- Se calhar, não. Se contarmos com os velhotes e com o pessoal de Lisboa até é capaz de haver um bom público.
- Não achas que a santinha vai correr perigo em tais territórios?
- Não! Nisso eles até foram espertos. A boneca sai ali de Cacilhas e vai direitinha p'ró Chico Rei, ou seja, acontece tudo ali à beira rio e sem se entrar em território muito vermelho...
- Portanto, naquela zona além rio é tudo comuna...
- Claro! Nunca reparaste que o Chico Rei vive de costas viradas p'ra Margem Sul...?
- Ah! Então existe uma razão!
- Ora pois com certeza! Se o Cristo nos vira as costas, nós viramos comunas... é uma espécie de protesto, t'ás a ver...?

terça-feira, 5 de maio de 2009

What's the uggliest part of your body?


Some say, your nose...

Some say, your toes...



Well, I say, it's your Mind!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O poço anda a secar muito depressa...

Por vezes fico tão farto. É como se a anestesia que transporto deixasse de fazer efeito, e eu ficasse permeável à absurdidade e irrelevância do dia-a-dia. Como se eu acordasse no meio de uma marcha que não quero seguir. Querem-me convencer de que há em nós uma centelha divina, que de alguma forma somos uma espécie de vida muito avançada e especial, então porque só vejo eu macacadas em meu redor. Porém, nem tudo é ruim, inventámos ao menos o conceito metafísico de Liberdade, o que nos permite viver eternamente revoltosos e frustrados enquanto fingimos que tudo vai bem. Será que mais ninguém sente o fedor lá fora? Pois eu já há muito que sofro de náuseas e não ando a gostar nem um bocadinho. Quanto mais vejo, menos acredito; quanto mais tento, menos me importo... mas há vezes em que fico mesmo farto....

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Paraíso (uma terra às moscas desde 1968)

Mui sábio e honrado S. Pedro aguarda junto aos portões divinos. No seu cinto a chave dourada que dá acesso aos portões da salvação. Em toda a sua grandeza ele questiona novamente:

- Pecas-te meu filho?
- Não, meu senhor, nunca.
- Amas-te o teu semelhante?
- Constantemente, meu senhor.
- Mantiveste a tua virtude intacta.
- Em todos os momentos.
- E ouviste música...?
- Bem...sim, claro!
- Rock'n'roll?
- Sim!
- Rolling Stones?
- Claro!
- A música "Sympathy for the Devil"?
- Muito boa!
- Então, temos pena...

domingo, 26 de abril de 2009

Um feriado sem o menino Jesus?!! Ao menos comprassem alguma coisa...!

... e o 25 de Abril é o meu feriado favorito porquê:

- É um dia em que as pessoas saem à rua.
- É um dia em que se recorda o dia em que as pessoas saíram à rua.
- Nos relembramos do que acontece quando as pessoas saem à rua.
- Podemos festejar sem ter de oferecer nada a ninguém.
- Não é capitalizável pelos malditos centros comerciais.
- Ouvimos música do Zeca Afonso e gostamos a sério.
- É a primeira oportunidade do ano para cantar a "Grândola...".

... e porquê há sempre festa na minha cidade à beira rio...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Into the Shadows

E só porque me apetece, fica aqui o meu actual Top 5 relativamente ao que de melhor, mais competente e mais original se tem feito no estranho mundo do Black Metal. (todos os títulos valem só por si, não havendo qualquer gradação entre eles)

"Cruelty and the Beast"(1998) - Cradle of Filth

Provavelmente o melhor álbum conceptual alguma vez editado dentro do género. O fio condutor são as desventuras da temida Condessa romena Erzebet Bathory, as quais são narradas fazendo uso de um inglês de nível literário. Seja qual for a opinião acerca do vocalista da banda, o Sr. Dani Filth, a verdade é que as suas letras neste trabalho são de uma qualidade e originalidade assombrosas, não há dúvidas de as lições de literatura inglesa foram mais que bem estudadas. Quanto à música, esta é cortesia de uma das melhores formações dos COF, todos os músicos dão um excelente contributo e a banda funciona como um todo na perfeição, criando espaço para todos demonstrarem o seu talento, o que nem sempre é fácil. O resultado de tal entendimento é a quintessência do Black Metal Sinfónico, contas feitas este é o álbum que inúmeras bandas tentaram alcançar ao longo dos anos noventa, contudo tal proeza foi destinada a estes senhores. Nesta obra de arte não existem quaisquer notas supérfluas, nem momentos menores, sendo um álbum que decorre do inicio ao fim sem qualquer ponto fraco. De destacar são as fenomenais texturas musicais, assim como a perfeita fusão entre violência e melodia.


"Puritanical Euphoric Misanthropia" (2001) - Dimmu Borgir

Uma banda que durante anos prometeu muito chega finalmente à ribalta com um álbum que não só elevou o estatuto da banda como trouxe toda uma nova dimensão ao género. Talvez o primeiro álbum realmente bem sucedido de Black Metal Progressivo, o que veio trazer um conjunto de novas possibilidades. Aqui revelam-se alguns dos mais memoráveis contra-tempos e proezas técnicas que o meio já viu, um desafio constante sem relegar a coesão da música para segundo plano. Ao longo de uma hora assistimos a um dedicado trabalho de composição que se demonstra através de complexas estruturas rítmicas e de intrincados e alucinados compassos, uma proeza ao alcance somente de músicos dedicados e bem competentes. Outra novidade foi a inclusão de uma orquestra sinfónica, a qual sem dúvida confere uma nova grandiosidade ao som e ambiente geral do álbum . No rescaldo trata-se de uma produção imensa, tendo certamente consumido muitos dos recursos da banda, mas uma vez que a qualidade do trabalho era realmente digna de tal cuidado, o produto final é um marco para um género que se julgava restrito ao underground.


"Sons of Northern Darkness" (2002) - Immortal

Sendo uma das bandas primordiais do movimento norueguês, os Immortal conseguem com este álbum realizar o incrível feito de conquistar o respeito e admiração tanto do público em geral, como dos puristas do underground. Para tal bastou somente o grande respeito que sempre tiveram relativamente às suas raízes e um compromisso inabalável para com a entidade e originalidade que sempre foram associados à banda. Desde os anos noventa que os Immortal se dedicavam à criação de um som que lhes fosse próprio, e o auge da sua criação releva-se precisamente com este álbum . Se o seu som havia sido sempre original, aqui a banda poderia ter criado um género praticamente novo só por si. Ao longo de oito músicas verdadeiramente épicas, os immortal destacam-se de forma evidente de qualquer outra banda, não apenas no círculo restrito de Black Metal mas em todo o Heavy Metal em geral. A guitarra de Abbath e bateria de Horgh (nomes estranhos, eu sei..) são totalmente distintas, produzindo um som único que facilmente associamos a eles mesmos. As composições da banda comprovam um extraordinário talento musical, contudo a produção é bem terra-a-terra, não havendo lugar para pretensiosismos. A prova viva de que o sucesso pode ser obtido sem qualquer compromisso artístico.


"In Times Before the Light" (2002) - The Kovenant

Na verdade o álbum "In times..." foi originalmente editado em 1997, tratando-se de um trabalho de fraca produção por parte de uma banda ainda em clara evolução. Contudo o Sr. Nagash (líder da formação) sempre considerou o produto final tremendamente injusto devido às constantes e revoltantes dificuldades sentidas pela banda durante a gravação. Assim sendo, em 2002 a banda decidiu dar uma nova hipótese ao seu álbum primogénito. Com esse intuito conseguiram ainda resgatar as gravações das guitarras, bateria e voz, contudo, tudo o resto já havia sido perdido. Nestas condições o Sr. Nagash propôs-se a regravar todos os sintetizadores e partes ambientais, os quais seriam adicionados às velhas músicas depois de uma nova mistura em estúdio. O resultado é no mínimo doentio. Às velhas e cavernosas músicas de um obscuro Black Metal Sinfónico, adicionou-se uma ambiência industrial e progressiva, obtendo-se uma mescla musical enlouquecedora, não sendo passível de qualquer designação ou classificação musical. Aqui a base é evidentemente o Black Metal, mas este é transportado para uma nova e inominável dimensão que não respeita qualquer conceito ou fronteira musical. Um trabalho perturbador...e em tudo genial.


"Now, Diabolical" (2006) - Satyricon

Uma banda que aparenta estar impossibilitada de ter um grupo fiel de fãs, pois para mal dos seus pecados esta recusa-se a editar dois álbuns iguais. A discografia dos Satyricon é uma constante evolução, e o som que produzem actualmente pouco ou nada deve ao som que criaram no inicio de carreira. Tal facto confere à banda um estatuto de renegados que lhes permite abstraírem-se de qualquer entrave à sua criação artística, o que fica bem patente em jóias como "Now, Diabolical". Neste trabalho a banda deixa bem claro que não deve nada a nínguem, e parte em busca de um estilo de composição que é apenas seu. Grande parte do álbum desenrola-se a meio tempo, todavia a ambiência criada é bem mais negra e diabólica do que aquela que muitos puristas do Black Metal conseguiram alguma vez alcançar. As músicas evidenciam algum minimalismo, contudo, os fenomenais pormenores detectados por uma audição atenta revelam um árduo esforço musical. Cada faixa apresenta uma coesão perfeita, não existindo uma única nota forçada ou fora do lugar, e todo o álbum é bem coeso nas sensações que transmite. Exemplar, como sempre, é trabalho de bateria, cortesia de um baterista sobre-humano e tremendamente original. Para finalizar, é imperativo mencionar a produção a cargo da própria banda: simplesmente perfeita.

domingo, 12 de abril de 2009

O Gato que não gostava Platão

As dúvidas existenciais assombravam-me. Andava às voltas com as mesmas antigas questões, sempre sem qualquer resposta no horizonte. Se houvesse ao menos alguém de maior erudição e entendimento que pudesse auxiliar-me em tão fatídicos assuntos. Foi então que me ocorreu: o meu gato lia Thomas Mann ao pequeno-almoço, já para não falar das tardes que passava na soleira da porta a apanhar banhos de sol e a ler ensaios filosóficos. O seu conhecimento académico era realmente de louvar, não me esquecerei nunca das refutações que fez a Kant, nem dos reparos com que assolou a obra de Nietzsche. De facto era tão inteligente que por vezes até me sentia culpado por ter as vacinas do bichano em atraso, mas depois passava. Resoluto, fui de encontro ao meu gato que se encontrava nesse momento a devorar o "Homem sem qualidades" de Robert Musil e sem hesitação perguntei:
- Diz-me lá, frondoso felino de superior intelecto: não acharás por vezes o tecido da nossa presente existência demasiado ténue? Como um véu que convida à grandiosidade mas que tudo olvida devido à sua opacidade. Uma partida cósmica que nos faz sonhar e ao mesmo tempo nos impede de qualquer avanço significativo. Não estaremos nós, seres ilimitados, por demais limitados?
O bichano pousou o volumoso livro e suspirou profundamente antes de me olhar directamente com olhos de enfadonho:
- E se fosses p'ó caralhinho, não?!

sábado, 11 de abril de 2009

Mundos Despertos

Num compasso de morte, eis que ele ascende do eclipsado vale de Ulthar. O inconcebível ente proveniente de uma além dimensão material onde a física e tempo a que estamos sujeitos não se aplica e onde a entropia modela a existência, atravessa lentamente o vórtice em resposta aos meus macabros apelos. O continuum espaço-temporal foi dilacerado, violado, permitindo a olhos humanos observar algo a eles vedado pelo próprio Universo. A Lua adquire um tom amarelado remanescente de podridão à medida que baforadas de um execrável odor se espalham a toda a volta no abandonado cais. É o medo ancestral que nos vem acariciar. Perante mim a forma que em tempos passados tanto assombrara os meus piores pesadelos manifesta-se empiricamente, contudo o entendimento humano é por demais incapaz de experienciar devidamente uma entidade não limitada às vulgares três dimensões espaciais - resta-me a loucura ou a demência. Algo como um vulto transparente capaz de se erguer vários metros acima de mim, numa forma alongada, esticada e intermitente da qual irrompem cores perdidas, acima de tudo o negro, enquanto uma sombra vermelha é projectada de uma forma incompatível com a nossas leis da física. Mesmo abaixo da gangrenosa Lua avisto dois rasgos que parecem de alguma forma estar associados à nossa concepção de órgãos visuais, pois é para lá que o meu olhar se sente compelido. A silhueta esguia como um véu, da qual não posso atestar uma tangibilidade, alarga-se junto aos rasgos no cimo, dando a falsa sensação de uma cabeça da qual emergem flutuantes tiras que se movimentam como tentáculos. Da secção intermédia do gigantesco vulto partem indistintamente dois traços tão compridos como a forma em si, os quais poderiam facilmente ser considerados patas insectívoras, caso não se parecessem tanto com garras abismais. O vulto alienígena curva-se bem para além de mim, sinto a existência por um fio.

- Poderei agora encontrar paz no sono? Ver-me-ei agora livre daquele tenebroso Mundo onírico?

- Não...o Pesadelo pertence-te...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ventos Animais

Um vento animal varre o nosso país. Porém há já muito que tal vento deixou de ser novidade, pois largos foram os anos em que este tem vindo a crescer, com a mesma velocidade da putrefacção sobre um cadáver inominável, transformando-se gradualmente num furacão cheio maus augúrios. Mais uma vez o prenúncio de anarquia espalhou-se: o cão da morte continua a bafejar e estará de visita a Lisboa para destilar ódio na dúbia data de um de Abril.

"Foi assim... de baixo p'ra cima...Pah!"

As expectativas eram realmente muito elevadas, mas a melhor banda de rock português recusou-se veementemente a desiludir quem quer que fosse! Duas horas da melhor música que se faz neste canto do Mundo. Ritmos ora frenéticos, ora dementes, serviam de acompanhamento às geniais letras escritas inteiramente em português, cortesia do insano Adolfo Luxúria Canibal, inimigo declarado de tudo o que é vulgar e normal (palavra odiada!). Foi magnificamente enlouquecedor testemunhar a violência com que a banda insistia em debitar os velhos clássicos da sua rica discografia, se ao menos o S. Jorge não tivesse lugares sentados, juro que teria começado de boa vontade um motim...

"E o que dirias ao amor da tua vida..?"

"Diria: Quero morder-te as mãos!!!"

Um novo patamar de atrasadice mental

E quando todos nós pensávamos que este espacinho virtual não podia possivelmente ser mais estúpido, eis que surge nova ideia totalmente deprimente da minha parte. Desta feita, no melhor e mais sério interesse da justiça, votei preencher uma importantíssima lacuna no nosso amado código civil. Com tal intuito, foi com a maior sobriedade e formalismo que indaguei alguns dos mais respeitados intelectuais e peritos na matéria com a seguinte questão:

"Na tua opinião quem é o maior criminoso: a pessoa que abandona a criança na estação dos correios ou a pessoa que abandona a criança no cartório notarial?"

De seguida, as ascéticas respostas:

Joana S.: Acho que são igualmente criminosos, já que iam abandonar ao menos que fizessem numa maternidade. Mas acho que o maior criminoso é o que abandona nos correios. É que no cartório eles sempre têm alguma autoridade, acho eu...

Xana: Rui, acho que tens um grave problema, precisas de ajuda...

Mike: Andas muito confuso! Se calhar um psicólogo ia ajudar. Que tal...?

A. Carol: Onde queres chegar exactamente...?

Joana F.: É difícil...Nos correios porque a criança corre o risco de ser mandada para outro lugar...

R. Pessoa: Ambos os dois, simultaneamente ao mesmo tempo!

NR Gato: No cartório, porque não lhe dão atenção e fica necessitada de afecto. Nos correios sempre pode brincar nas cabines telefónicas ou com a máquina dos selos. Sem dúvida a primeira é a mais austera.

Mano: Será que fiz alguma coisa e não me lembro?!

Quero desde já agradecer às espectaculares pessoas acima mencionadas, que em muito dignificam este blog com tão eruditas respostas, e também por perderem tempo com as minhas ideias dignas de um verdadeiro atrasado mental - assim vale a pena! (Mas confesso que a imagem de criancinhas abandonadas a brincar com uma máquina de selos me vai atormentar durante algum tempo...)

Cheers Mates!!!

segunda-feira, 23 de março de 2009

Trevas Primordiais

Como uma torrente de lava negra que tudo abarca...

Esqueço-me deles, recalco-os, e desejo-os com todo o meu ser. São os abismos que clamam por mim. Na mais pura escuridão abandono-me na força invisível sinónima de ignição, na pérfida penitência que convida ao almejado tormento...o catalisador acutilante de uma superior forma de sofrimento.

Como uma torrente de lava negra que tudo profana...

A fenda negra absorve os pensamentos e entorpece os nervos. Dilacerado por dentro, os meus olhos toldam-se de fascínio niilista que vêem na absoluta descrença o mais elevado e pernicioso dogma. O abismo expande-se e toma conta de mim...desta vez nada ficará por mortificar.

Como uma torrente de lava negra que tudo extermina...

O vórtice de entropia anuncia a arcaica escravatura: o fado primordial. Encoberto pelo extâse, lanço-me ao desespero, renuncio à redenção e encontro-me a mim mesmo.

Como uma torrente de ardor que tudo consome...

domingo, 22 de março de 2009

Fuel for Hatred

Sua Santidade o Papa Bento XVI toma assento no seu trono e diz que os homossexuais são pessoas doentes e pecadoras.

Sua Santidade o Papa Bento XVI desce do seu pedestal e afirma que as almas por baptizar irão certamente arder no inferno.

Sua Santidade o Papa Bento XVI ergue-se no seu sagrado púlpito e ordena cardeal um padre britânico que duvida do Holocausto.

Sua Santidade o Papa Bento XVI digna-se a viajar a África e declara que a calamidade da SIDA não se combate através do uso do preservativo.

Sua Santidade o Papa Bento XVI é uma besta de merda...

Lest we remember

Há noites que marcam, que nos tocam de uma forma da qual não nos podemos dar ao luxo de esquecer. Noites em que tudo se aproxima e se conjuga da melhor das formas em circunstâncias quase oníricas. Desta, farei por reter em mim aquelas animadoras e incisivas palavras que absorveram tudo por completo, fazendo com que uma refeição acabasse (mais uma vez) totalmente desprezada. Porém, de outra forma não poderia ter sido, pois "aquela menina de olhos castanhos" terá sempre um dom especial para cativar a minha atenção. Após tão acalentado inicio de noite, que valeu apenas pela companhia, seguiu-se o sôfrego, ansiado e estupidamente adiado reencontro. Nada comove mais do relembrar saudades e nada sabe melhor do que matá-las de uma vez. Foi avassalador e o mais incrível foi não ter acordado de nenhum sonho. Para meu gáudio voltei finalmente a abraçá-la e apercebi-me de que nada havia mudado, estava ainda lá tudo: a mesma conversa, o mesmo sorriso, a mesma intimidade... que saudades... Ainda meio zonzo, dou por mim a caminho de um concerto que se antevia memorável, não fosse este um serão a cargo dos irredutíveis Dazkarieh, a prova viva de que há esperança para a música lusófona, sem que para isso haja necessidade de delírios de grandeza. Melhor do que os sons hipnotizantes que aconchegavam a atmosfera, era o prazer que sentia em partilhar tal momento com duas pessoas tão especiais. Finda-se o concerto e sobra tempo para uma bebida fresquinha à base de malte e cevada cujo o nome permanecerá uma incógnita, e lá se arrasta cada um de regresso a casa, mas no meu caso com o espírito por demais saciado.

Para a C. - É magnífico voltar a ter-te. Não esquecerei a nossa promessa...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

The Kings of Christian Rock (Hallelujah)

Ora, esta história está mesmo(!) desactualizada, contudo, somente hoje tomei conhecimento dela, portanto garanto-vos que a minha indignação é realmente actual...

Era uma vez no Mundo do "Metal Pesado"...

...Uma grande besta chamada Dave Mustaine, que ganhava a vidinha como líder dos Megadeth. Esta amorosa banda construiu o seu nome na segunda metade dos anos oitenta e viria a conhecer um tremendo pico de popularidade durante os aos noventa. No entanto, como tudo na vida, nada dura para sempre, e no final de século lá começaram a sentir aquelas dificuldades do costume para este tipo de grupos. Músicos despedidos e contratados em catadupa, problemas com substâncias ilícitas e em última instância o término da banda (pelos menos durante alguns meses enquanto durava a reabilitação). Depois de tão atribulados anos, eis que surge um Dave Mustaine totalmente recuperado e desta vez em versão "newborn christian". Ninguém ficou muito surpreendido, pois afinal de contas ele é um americano, e todos nós sabemos o que isso pode fazer a uma pessoa... E actualmente, lá anda o nosso amigo cheio de convicções cristãs a tentar recuperar alguma glória do passado. O feitiozinho de merda continua o mesmo, mas como o pio senhor de quando em vez consegue fazer uma música menos má, o pessoal lá lhe vai perdoando...

Por sua vez, enquanto os Megadeth enchiam arenas durante a década de noventa, no outro lado do atlântico, mais precisamente na Grécia, uma banda underground esfolava-se para conseguir algum reconhecimento, banda essa que dava pelo polémico nome de "Rotting Christ". Como podem adivinhar com nome um de tal forma encantador, os R.C. estavam condenados a gerar controvérsia, quer quisessem quer não. A prova disso mesmo ocorreu a meio de uma digressão em território Americano, quando um sábio e respeitado senador se insurgiu contar a pequena banda, acusando-os de satanismo e outros afins deveras divertidos, e que terminou com a banda a cancelar várias datas da digressão. O mais irónico do meio de tudo isto é que, ao contrário de muitas outras de bandas de metal, os R.C. não tinham uma temática satânica, preferindo produzir letras abstractas que nada têm a ver com religião. Com muito esforço e suor estes músicos gregos lá alcançaram um dos mais difíceis objectivos de qualquer banda underground: conseguiram um contrato discográfico extenso e, graças à sua originalidade e singularidade, tornaram-se num dos grupos emblemáticos do metal europeu (pode-se dizer que se viram gregos para lá chegar). Resta então a pergunta: e que relação há entre os dois?

Pois bem, no ano de 2005 Megadeth agendaram um concerto em Atenas, e como é costume neste género de eventos, para a abertura das hostilidades escolhe-se uma banda nacional de renome. Resultado: convidaram-se os R.C. Estava tudo bem preparadinho para um agradável serão de música reconfortante, quando, para surpresa de tudo e de todos, o menino Mustaine informa os promotores que os Megadeth não actuarão nessa noite, caso os R.C. sejam a banda de abertura. Ao que parece o Sr. Mustaine é uma pessoa de forte fibra moral e um tal espectáculo seria uma agravada ofensa as suas elevadíssimas crenças cristãs... E qual foi a consequência disto? Mandou-se o peixe graúdo para casa e deixaram o menino Mustaine ficar com o doce.

Era exactamente o que Mundo mais precisava, mais um falso moralista com ares de grandeza... Pior do que esta tendência dos americanos de se tornarem devotos quando a vida vai mal (independentemente de se terem 'tado a cagar para isso uma vida inteira!), é esta imagem de superioridade que lhes permite apontar o dedo e julgar os outros. Por sua vez, o Dave Mustaine pode ter sido um headbanger durante uma parte da sua carreira, mas daqui para a frente será apenas aquilo que sempre foi: uma besta!

domingo, 25 de janeiro de 2009

Matéria Negra

Uma cadência sonora abismal, uma distorção anacrónica e um ruído branco ululante no éter em tom de acompanhamento. O vórtice sonoro espanta-nos ao mesmo tempo que nos atrai, como se de algo alienígena se tratasse. Uma vez nele embrenhados somos transportados para mundos oníricos de brumas e ferrugem, de escuridão e metais ardentes. Nesse abismo para além da barreira de som e do ritmo hipnotizadoramente macabro, jaz a ameaça xenomórfica, o parasita que nos devora as entranhas.


"Useless climate, staring at me,
Yearning to be free.
The Unpredictable sense of a short road.
An epidemic that comprehends"

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Taxifahrt

Sem a mínima predisposição para esperar quase uma hora pelo cacilheiro da meia noite e vinte, tomo a brusca decisão de apanhar um táxi até Almada. Como não sou capaz de viajar sozinho no banco traseiro e porque meter conversa faz parte da experiência, em poucos minutos já o taxista começou a contar a história da sua vida, ao ponto de se enganar na saída para a ponte. A meio do caminho lá se lembra de perguntar: "Então e o senhor o que faz?", "Sou tradutor" - respondo eu. "Ora bem, uma profissão bastante útil". Esboço um sorriso, mas no fundo fico a matutar: simpático ou condescendente...?

Ode Disléxica

Não há nada melhor do que matar saudades, principalmente quando se trata de alguém de quem realmente gostamos. Retidos na memória ficam o restaurante tipicamente português no poético Bairro Alto, uma farta refeição e uma bela garrafa de vinho tinto: o perfeito acompanhamento para uma prazenteira noite na companhia de uma pessoa que tanto admiro. Acredito piamente que o profundo grau de introspecção, assim como o nível de abstracção da interminável conversa serão fonte de abundantes comentários por parte dos empregados da casa, de estranhar se porventura tal fosse novidade. Atravesso o rio e chego a casa saciado, não por causa da refeição, mas devido à deliciosa e interminável tagarelice temperada com fundamentados argumentos e bonitas questões. Tudo isto cortesia "daquela menina dos olhos castanhos".

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O meu gato queimou-me a bíblia

Com ânsia e aflição procurava eu por toda a casa. Mas afinal de contas por onde andaria ela? O Domingo aproximava-se como um furacão vagaroso, o que significava que já não me restava muito tempo para preparar os meus textos e orações, mas para tal era imperativo encontrar a minha Bíblia primeiro. Gostava de levar os textos preparados com antecedência para melhor compreender a mensagem do sermão do senhor padre, e por outro lado, tinha uma tendência diabólica para me esquecer que nem um amnésico das orações que apenas tive oportunidade de praticar todos os Domingos nos últimos vinte anos. Era pois crucial encontrar o sagrado livro. Procurei, procurei, procurei. Nas estantes, nas gavetas, nos armários, na dispensa ao pé dos Kellogs e na casa de banho por debaixo do banco onde me sento a cortar as unhas dos pés. Mas por mais que inspeccionasse o apartamento não encontrava aquilo que realmente queria. De repente vem-me ao nariz o cheiro a fumo, desato a correr na sua direcção e deparo-me com o meu gato a queimar a minha bíblia com gasolina enquanto se ria à gargalhada:
"Olha 'pra essa merda. Como é que eu vou rezar agora, és capaz de me dizer...?"
Em jeito de resposta o formoso felino rebola-se no chão segurando a barriga com as patas dianteiras e rindo-se de forma estridente.
" 'Tás-te a rir mas não és tu que vais aturar o aselha do padre amanhã. Como raio é que eu vou agora adorar o Divino? As vizinhas vão dizer que eu não percebo nada destas coisas de igreja e o caraças..."
O bichano recompõe-se lentamente, senta-se bem direito e olha-me nos olhos com um sorriso no focinho:
"Estás mesmo à espera que responda, certo?" - disse o meu gato.
"Ora então, pois claro."
"Nesse caso ouve com atenção: essa tua acepção de crença mais não é do que uma metástase onírica desprovida de discernimento, um oxímoro se preferires. O seu efeito limitado a uma corrida sem meta para nenhures. Entendes-me?"
Segue-se um momento de complacente e desconfortável silencio.
O bichano sacode as orelhas: "E então, não dizes nada?"
"Estou seriamente a pensar em abandonar-te..."
"Pois, avisa-me quando isso for novidade..."