domingo, 24 de agosto de 2008

In Memoriam

O post que se segue não é divertido e muito menos engraçado, mas sim uma tentativa pesarosa de evocar a memória, infelizmente muito esquecida, de duas lendas da história da Fórmula 1. As próximas linhas serão dedicadas aos saudosos Roger Williamson (1948-73) e David Purley (1945-85).

-->Roger Williamson




David Purley <--

Estávamos no mês de Julho de 1973 e o circo da Fórmula encontrava-se no circuito de Zandvoort na Holanda. Nessa época o mencionado desporto não era um espectáculo multi-milionário, cheio de glamour e ostentação como frequententemente sucede na actualidade; da mesma forma que os pilotos que alinhavam na linha de partida não eram de forma alguma jovens mimados e protegidos, mas antes homens de coragem e convicção que arriscavam a vida de forma rotineira, para os quais não era vergonha nenhuma mudar o óleo ao próprio carro. Nesses dias, hoje tão longínquos, os estreante Roger Williamson participava na sua segunda prova de fórmula 1 ao volante de um March 731G, quando a meio da corrida, devido a um problema com o pneu dianteiro esquerdo, alarga demasiado uma curva resultando num espectacular despiste que faz o seu monolugar capotar de encontro a uma barreira de protecção. O acidente danifica gravemente o depósito de combustível do carro, e à medida este desliza com as rodas viradas para cima as faíscas resultantes funcionam como um fósforo, dando a inicio a um incêndio no chassis enquanto Williamson dá por si preso de cabeça para baixo dentro do cockpit.

Quase de seguida o piloto independente David Purley, avista na berma da estrada um March igual ao seu a arder sob uma apavorante nuvem negra, o qual instantaneamente identifica como o sendo do seu amigo. Num dos maiores actos de altruísmo da história da fórmula 1, Purley encosta o seu monolugar e corre de imediato em direcção ao desastre. Por debaixo do metal aquecido e da gasolina flamejante, Purley consegue ainda ouvir as súplicas por socorro do piloto enclausurado. Purley gesticula e clama por auxílio, mas os comissários de pista são escassos e não fazem ideia do que fazer, em puro desespero o próprio Purley tenta por várias vezes virar o carro do amigo com as próprias mãos. Os estácticos comissários são apenas funcionários contratados, sem qualquer tipo de formação ou meios para agir em caso de acidentes graves.

No paddock o director do Grande Prémio, sem se aperceber da severidade do ocorrido, toma uma das piores decisões da sua vida: ao invés de ordenar a bandeira preta e parar de imediato a corrida, opta antes pela bandeira amarela, mantendo os carros em pista. Impossibilitado de seguir pelo caminho mais curto para a área do acidente, o camião de combate ao fogo mais próximo vê-se obrigado a efectuar quase uma volta completa ao circuito para não circular em sentido contrário para com os automóveis ainda em competição.

Na zona do desastre as chamas ganham cada vez mais vigor. Finalmente, um dos comissários consegue rebuscar um extintor que Purley arranca das suas mãos, correndo de novo para junto do carro acidentado. Em apenas alguns segundos, Purley despeja todo o conteúdo do extintor para cima das labaredas, contudo o resultado é frustrantemente nulo. Os comissários permanecem imóveis, impossibilitados de se aproximarem das chamas. Purley acena a alguns pilotos que se aproximam, mas devido à velocidade e à total ausência de comunicações, estes não se apercebem do sucedido, crendo que o carro despistado pertence ao próprio Purley. Por esta altura a nuvem de fumo preto é visível em todo o autódromo e por debaixo de todo esse fumo Purley já não consegue ouvir a voz de Williamson. Numa imagem da mais incisiva frustração, o piloto independente afasta-se com o espírito completamente quebrado. Um infeliz comissário procura consolar Purley, mas este recusa-a com um punho em riste cheio de desdém e despeito.

O camião cisterna chega após quase oito minutos ao local do acidente. Ainda presente, Purley auxilia os bombeiros a exterminar o incêndio. Com o chassis coberto de espuma branca, os homens conseguem finalmente virar o carro. Ainda preso ao cockpit estava Roger Williamson, imóvel e inerte. Os funcionários de pista cobrem o monolugar com um lençol branco. David Purley regressa cabisbaixo ao seu March, e lentamente, conduz de volta às boxes.

O cadáver de Williamson foi encontrado ileso. A sua causa de morte foi intoxicação devido a gases nocivos...



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