Randolph Carter não se apresentava nem lúcido nem embriagado enquanto jazia imóvel sobre a cama rija e desconfortável de uma pensão paroquial. Ele próprio não era crente mas se mentisse de uma maneira minimamente decente ao velhote da entrada podia ter direito a um quarto imundo sem qualquer despesa. O quarto fedia com os odores de antigos hóspedes: toxicodependentes sem onde cair mortos, prostitutas em idade de reforma e bêbedos inveterados. O papel de parede com vinte anos descolava-se aos poucos das paredes, as inúmeras manchas na alcatifa traziam à tona memórias de decadência, o guarda-fato em ruínas e as queimaduras de beatas por todo o lado invocavam uma recordação agonizante. A lâmpada no tecto pendia pelo fio sem qualquer protecção e iluminava de forma intermitente, obrigando Carter a contemplar o seu quarto através de flashes inconstantes e acompanhados de zumbidos agudos e metálicos. Da fresta da sua janela recebia apenas um fraco clarão pálido de um candeeiro de rua há muito esquecido. Os únicos sons que recepcionava advinham de um alarme à distância e de um rolar cadente de garrafas de vidro. A televisão recusava-se a funcionar, respondendo às suas insistências com um mero ponto branco no centro do ecrã. Sendo este a única fonte de luz contínua presente entre as quatro paredes, Carter permanecia inerte sobre o colchão rasgado por baratas, junto a uma parede com um crucifixo maciço, enquanto observava fixamente o ponto de luz branca à sua frente. Por alguma razão, a intermitência amarela da luz acima parecia-lhe menos enlouquecedora do que a escuridão quase total.
Há 6 anos
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