A atenção de Carter volta-se novamente para si mesmo. Fecha os olhos, respira fundo, pestaneja uma vez e começa a... - interrompe-se - ...abre outra vez os olhos e questiona-se como foi possível não ter reparado na negra e bem tecida teia de aranha no tecto, mesmo por cima de si (se é que tal forma possa ser considerada uma teia...). Não interessa, a sua mente retorna ao antiquíssimo cemitério que tanta felicidade e riqueza lhe trouxeram. Recorda uma a uma, as magníficas campas que prazenteiramente profanou, principalmente uma cuja lápide cheia de rachas não apresentava qualquer inscrição. Esta havia despertado nele um invulgar interesse pela sua singularidade, aparentava ser anterior a todas as outras sepulturas. O que nela observara fora de tal forma incredível, que questionava a sua veracidade. Os olhos de um homem embriagado não são de alguma forma fiáveis, mas que a imagem havia ficado gravada na sua memória, disso não havia dúvida. Desde os tempos de infância que ouvira histórias acerca do fenómeno da não decomposição de cadáveres, histórias de corpos imunes à putrefacção, dos quais nenhum verme ousava aproximar-se. Todavia, histórias não passam disso mesmo, ao passo que o cadáver pálido e de aspecto hermafrodita que então encontrara lhe parecera pura realidade. Não restava sobre ele qualquer réstia de indumentária, mas o sua aparência extraordinária, anormal e ao mesmo tempo perfeita, não indicava qualquer sexo. Mas o que causara o profundo horror no rosto de Carter foram os olhos esbugalhados que insistiam em observar o céu estrelado, olhos tão fixos que era quase possível crer que haviam sido eles a causa da inverosímil queimadura na tampa de caixão removida. Contudo, a realidade pode ser limitada pelo entendimento de cada um, e uma vez negada Carter encontrou as forças para remover a pulseira dourada do pulso daquele estranho ser. Esta encontrava-se ainda reluzente, contendo ornamentos totalmente únicos e uma série de símbolos que em nada se assemelhavam a algo escrito por uma mão humana. Pelo canto do olho, o ladrão de campas poderia jurar que o irreal cadáver olhava na sua direcção enquanto este procedia ao seu furto, mas achou por bem não o confirmar - para que piorar uma bebedeira já por si má.
Há 6 anos
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